segunda-feira, 29 de abril de 2013

Em uma certa tribo...

Pierre-Paul Prud'hon. Justice and Divine Vengeance Pursuing Crime (1808)
Tem uma lenda urbana na internet que eu achei interessante, mas na época que vi a primeira vez acabei não dando muita atenção.

Com todo esse papo de redução da maioridade penal que a imprensa está batendo em cima ultimamente, eu me lembrei da história que tinha ouvido e queria tanto que fosse verdade que resolvi pesquisar.


É a história de como uma certa tribo africana lida com criminosos.

Vasculhando a internet, acabei esbarrando com um certo site e a maioria dos outros que encontrei o citavam como fonte da história. Segue minha tradução do texto original:
"Recentemente me contaram sobre uma tribo africana que faz uma coisa linda.
Quando alguém faz algo que machuca ou errado, eles levam a pessoa ao centro da vila e a tribo inteira vem e o envolve. Por dois dias eles dizem ao homem cada coisa boa que ele já fez.
A tribo acredita que todo ser humano vem ao mundo bom, cada um de nós desejando segurança, amor, paz, felicidade.
Mas às vezes na busca dessas coisas as pessoas cometem erros. A comunidade vê os delitos como um grito por ajuda. Eles se unem pelo bem de seu companheiro para levantá-lo, para reconectá-lo com sua verdadeira Natureza, para lembrá-lo de quem ele é, até que ele se lembre completamente da verdade da qual ele esteve temporariamente desconectado:

'EU SOU BOM'."
O problema é que o esta postagem original também não cita sua fonte. Comecei a ler os comentários neste site e nos outros que o citavam.

"No antigo Afeganistão, onde um juiz viajante ouvia os casos, era possível que o julgamento de um ladrão terminasse com a vila inteira sendo multada, se eles não tivessem dado ajuda ao acusado quando foi necessário."
...que não responde a necessidade de fontes, mas coloca mais lenha na fogueira do tratamento alternativo de criminosos.

Um outro comentário linkava para uma história semelhante, com a diferença de que, ao invés da tribo contar coisas boas feitas pelo transgressor, eles apenas cantavam sua "música" (um som que era identificado com ele desde antes do nascimento e sempre repetido em rituais importantes de sua vida). A diferença é que, esta história tem origem bem definida: um livro de auto-ajuda. E parece bem claro que é de cunho puramente inspiracional, não negando ser fictícia.

Encontrei mais sobre o caso em um forum objetivista. Objetivismo é uma filosofia criada por Ayn Rand (filósofa e romancista russo-americana) baseada nos seguintes princípios:
-  a realidade existe independente da consciência humana;
- os humanos tem contato direto com a realidade através da percepção;
- pode-se alcançar conhecimento objetivo através da formação de conceitos e lógica indutiva;
- o propósito moral da vida é a busca da própria felicidade;
- o único sistema social consistente com essa moralidade é o respeito total por direitos individuais assegurado pelo capitalismo laissez-faire;
- o papel da arte é a transformação de ideias metafísicas por reprodução seletiva da realidade em formas físicas às quais se possa responder emocionalmente.

Em suma, pode ser preconceito meu, mas não me parece o tipo de forum onde se encontraria pessoas que acreditariam no método da tal tribo africana. Para minha surpresa, o que eles diziam lá é que Nathaniel Branden, parceiro e caso romântico de Rand, teria contado uma história semelhante - em um grupo de terapia em 1976!

A fonte de Branden seria o livro "Contact: The First Four Minutes" de Leonard Zunin. Branden teria elogiado: "gênio psicológico". E no forum um participante admitia: "isto não quer dizer que a história seja verdade, mas é verdade que reduziria alguém a lágrimas".
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Seja para ilustrar como nossa memória falha ou para deixar registrado que talvez semelhante história tenha outra fonte, na minha lembrança original da história, esta não se passava na África (grande demais para se procurar uma tribo específica), mas na Nova Guiné, em uma dessas tribos que até hoje não teve quase nenhum contato com a "civilização".

Nesta versão, a tribo não se preocupava em dizer as coisas boas que o transgressor havia feito, mas tratava a condição de delituoso dele como uma doença, um resfriado social, que se cura com o cuidado e o tratamento correto, vendo o indivíduo não como um ser maldoso, mas simplesmente em desarmonia temporária com sua sociedade.

3 comentários:

  1. SEN-SA-CI-O-NAL!
    Comovente e instigante! viva à diversidade e pluralidade cultural que nos proporciona casos assim. Senso de cidadania que beira à poesia! mesmo que não tenham "fontes fidedignas",o casos não são impossíveis de acontecer,principalmente o caso do Afeganistão.
    Muito bom o post! abração

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  2. Não é bem o que você havia dito, mas dialoga com o tema. http://www.buala.org/pt/a-ler/julgamentos-de-feiticaria-hegemonias-locais-e-relativismos

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